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sábado, 23 de julho de 2016

As Sociedades carnavalescas: Politização e Crítica

Desta vez nosso colunista Professor Mariano volta ao tempo das Grandes Sociedades, traça o legado deixado por essas agremiações, mas lamenta que as Escolas de Samba tenham descarado a herança e vivam um momento de alienação e despolitização. Confira a opinião do professor:

As Sociedades carnavalescas: Politização e Crítica
por Professor Mariano
As grandes sociedades carnavalescas começaram a desaparecer no início da década de 60, quando as escolas de samba começam a se tornar a agremiação carnavalesca mais popular do Brasil e o samba se consolida como identidade do povo brasileiro. 

foto: Tenentes do Diabo |disponível em:
http://www.riodejaneiroaqui.com/carnaval/carnaval-grandes-sociedades.html

Estas grandes agremiações carnavalescas foram as primeiras a sistematizarem e socializarem o carnaval carioca no final do século 19. Tudo começou com o Congresso das Sumidades por volta de 1885, no seu desfile inaugural esta sociedade desfilou com mais 80 sócios, entre eles, José de Alencar, grande escritor romântico brasileiro. 

Mas o grande legado deixado pelas grandes sociedades a meu ver foi à politização e a crítica que elas faziam ao contexto social em que estavam inseridas. As grandes sociedades se engajaram na luta pelo fim da escravidão, contestaram a monarquia e foram para rua defender os direitos das mulheres.

Em 1884, a Euterpe Comercial, por decisão de sua comissão de carnaval, decidira suspender a construção dos préstitos, ou seja, dos carros alegóricos e empregar o dinheiro a ela destinado na aquisição da liberdade de alguns escravos.

Outro grupo que também se destacou pelo combate contra a escravidão foi o famoso Clube dos Fenianos, nome em homenagem ao grupo irlandês que, naquela época, lutava contra o poder inglês, eles tinham como símbolo, o barrete frígio da Revolução Francesa e defendia os ideais republicanos. Os Fenianos faziam várias passeatas pelas ruas do Rio de Janeiro, com muito humor e crítica. Nestas manifestações culturais, eles demostravam suas insatisfações com o funcionamento da sociedade da época e se engajavam nos movimentos políticos.

OS Tenentes do Diabo, grande rival dos Fenianos também entrou na luta política, colocando parte da renda adquirida para materializar seu carnaval, em favor da compra da liberdade de alguns escravos.

Mas as grandes sociedades também lutaram contra o machismo da época e lideraram um belíssimo movimento de defesa da mulher trabalhadora. Nos seus carros alegóricos o lugar mais alto, mais visível era ocupado sempre por uma bela mulher com fantasia deslumbrante. Não importava se com muita ou pouca roupa. E não era apenas uma. Havia sociedades que levavam várias mulheres nos seus préstitos.

Para ajudar a diminuir o machismo na sociedade que condenava as mulheres que trabalhavam, os Fenianos ousaram mais uma vez. Criaram, em 1913, o prêmio “ Virtude e Amor ao Trabalho”, e a escolha era feita através de eleições diretas, o que despertou o interesse e aumentou o número de concorrentes. Em cerimônia pública, a qual esteve presente o presidente da República, marechal Hermes da Fonseca, o prêmio foi entregue.

O efeito foi forte na sociedade. A imprensa deu destaque ao acontecimento e algumas matérias foram feitas saudando a iniciativa dos Fenianos e criticando as famílias que não permitiam as mulheres trabalharem. A iniciativa dos Fenianos encorajou as mulheres há se libertarem do jugo machista e firmar-se como cidadã.

Estes exemplos das sociedades no passado são pertinentes, para analisarmos o atual momento de alienação e despolitização das nossas agremiações carnavalescas. É inadmissível que o Estado do Rio de Janeiro que já foi capital da república e eco das manifestações políticas, tenha uma festa carnavalesca tão comportada e alienada. Se analisarmos os enredos das escolas de samba para o carnaval de 2017, é alarmante a total omissão em debater temas atuais.

As escolas de samba são fruto de uma realidade social que foi banida pelas obras elitistas da atual prefeitura e, você não ver nem bloco criticando ou satirizando tal situação. Isto é profundamente lamentável se tratando o carnaval uma festa profana e contestadora na sua essência. A política nacional é uma porcalhada só, prejudicando principalmente os mais pobres que participam do carnaval popular. Discutir o contraditório é obrigação de qualquer manifestação cultural séria, porque senão os desfiles das escolas de samba e blocos vão a cada ano, se tornar peças monótonas, alienantes e chatas.
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PROFESSOR MARIANO

Historiador e pesquisador do carnaval, um dos fundadores do projeto Cadência da Bateria. 



Em suas colunas aborda o carnaval considerando os aspectos políticos e sociais e a importância dos desfiles para a construção da memória da cultura popular.


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