quarta-feira, 19 de dezembro de 2024O GRES Garra de Ouro, escola de samba do Grupo B do Carnaval de
Niterói, que se caracteriza pelos enredos enaltecendo negros de destaque na sociedade,
mais uma vez levará para avenida um personagem de forte repercussão social.
Assim como em 2015 com Heitor do Prazeres, em 2016 com
Ismael Silva, em 2017 com Ciata e as tias matriarcas do samba, em 2018 com Luiz
Gama e em 2020 com uma homenagem às escritoras negras, em 2025 a Garra de Ouro
consolida sua identidade, lembrando de Zé do Caroço, líder do Pau da Bandeira.
O comunicador José Mendes, de apelido Zé do Caroço, morador
do Morro do Pau da Bandeira, em Vila Isabel, falava para os demais moradores do
morro através de um sistema de som instalado na laje da sua casa. Pelo serviço
de autofalantes, Zé divulgava notícias, eventos, campanhas educativas e
alertas, se tornando uma referência no morro.
Mas era época de ditadura, e o som que vinha da favela
incomodava, até que um dia foi denunciado às forças de repressão. Uma moradora
de um prédio vizinho ao morro, esposa de policial, reclamava que o som
atrapalhava sua novela. Calaram Zé, mas seu legado de resistência, não.
O fato inspirou a cantora e compositora Leci Brandão, que em
1978 compôs o samba “Zé do Caroço”, até hoje cantada nas rodas de samba, tão
atual que não parece ter sido escrita há mais de 40 anos. No entanto a música
só foi gravada em 1985, já que a gravadora não aceitou a inclusão da faixa no
álbum de 78. Lembrando que era época de ditadura, e as gravadoras sofriam
sérias restrições da censura.
No carnaval de 2025, o
GRES Garra de Ouro vai fazer ecoar nos autofalantes do Caminho Niemeyer a história
desse líder que só queria o bem do seu povo, o bem da favela.
“Mas é o Morro do Pau da Bandeira
De uma Vila Isabel verdadeira
É que o Zé do Caroço trabalha
O Zé do Caroço batalha
E que malha o preço da feira
E na hora em que a televisão brasileira
Distrai toda gente com a sua novela
É que o Zé põe a boca no mundo
Que faz um discurso profundo
Ele quer ver o bem da favela”
Trecho da música “Zé do Caroço”, composta por Leci Brandão
SINOPSE
Justificativa do enredo
O enredo "Garra de Ouro 2025" celebra a resiliência e a coragem das
comunidades do morro, destacando sua luta constante contra as
adversidades e a injustiça social. A narrativa retrata a vida desses
moradores como uma jornada de superação, onde a dignidade e a
esperança são erguidas em meio a dificuldades.
O tema central é a força coletiva e a resistência frente às injustiças.
Através da história de Zé, um líder emergente da comunidade, o enredo
ilustra como a união e o engajamento podem transformar a realidade
social. Zé, com seu espírito indomável e suas ações corajosas,
representa a voz da luta e da mudança, desafiando o status quo e
trazendo esperança para um futuro melhor.
A descrição da vida no morro, das dificuldades enfrentadas e das vitórias
conquistadas, destaca a importância da luta coletiva e da solidariedade.
Através de Zé, a narrativa nos ensina sobre o poder da comunidade e a
necessidade de continuar lutando pela dignidade e pela justiça social.
Portanto, "Garra de Ouro 2025" é uma celebração da força e da
resiliência dos moradores do morro, um tributo a aqueles que, apesar de
todas as adversidades, permanecem firmes na busca por um futuro mais
justo e digno. É um enredo que exalta a capacidade de superação e a
importância da unidade na construção de um novo amanhã.
Sinopse
Aaaah o morro...
Local de gente que foram capazes de reconstruir suas histórias, com
barro e madeira, que desafiaram a vida e ergueram suas fortalezas de
zinco. Com o peito cheio de coragem e um punhado de fé.
Essa gente que nunca temeu as dificuldades, nem se curvaram às
autoridades, que insistiram em invalidar suas verdades.
Esse povo com gana de vencer, que metem a mão no arado e traçam seu
destino. Esses que viram nascer um dia a liberdade, mas sentiram o
amargor da desigualdade.
Reduto de retirantes que sofreram a dor da partida, em busca de um
sonho, mas não encontrou nem lugar que lhe servisse de guarida.
Assim, tornou-se um símbolo de força e resistência, onde reina a
ancestralidade e a nobreza pungente.
Quando o morro desperta
O Sol só vem depois
É o astro rei, ok, mas vem depois
O Sol só vem depois... (A Ordem Natural das Coisas – Emicida)
Levanta Zé, o sol nem raiou e o morro já acordou. A patroa já aprontou o
café, corre na janela e veja o povo já de pé. É o morro descendo para
acordar a cidade, para mais um dia de fé.
Desce Maria do lar, que deixam o seu ninho antes da cria acordar, para
chegar na casa da patroa e a roupa quarar.
Desce Zé da labuta, para encharcar sua camisa ao erguer arranha-céus, do tamanho do ego embranquecido, forçados a construir uma
miragem de pedra para satisfação dos gravatas, em troca de míseras
moedas.
O asfalto ganha vida quando nossa gente desce, basta olhar para o
jornal entregue na banca, basta olhar para o trajeto da massa que corre
a cidade, basta erguer os olhos e enxergar as obras das mãos de nossa
gente. Em tudo estamos presentes!
Mesmo com tanta significância, nosso povo ainda trava uma batalha
árdua, onde homens com mãos de pólvora, vestidos de autoritarismo,
com passos de coturnos governados na marcha para opressão, “ditam a
dura” na nossa nação. Reprimem nossa cultura, censuram nossos
mestres, intervencionam nossos movimentos... Violentam nossa gente.
Mas ainda assim, permanecemos erguidos, resistindo o poder tirano
Está nascendo um novo líder
No Pau da bandeira, o dia amanhecia como um dia de luta qualquer, o
povo buscando equilíbrio nas cordas bambas que a vida lhe faz
atravessar.
Mas junto do Sol, irradiava no peito de um Zé, a vontade de batalhar uma
luta coletiva. ESTAVA NASCENDO UM NOVO LÍDER, NO MORRO DO PAU
DA BANDEIRA.
O tal Zé, o do caroço, retirante nordestino que cavalgou em em coragem
sobre um pau-de-arara, num sonho de viver com dignidade. Seu José é
bem conhecedor das lutas de sua comunidade, ele conhece bem as
mazelas que cercavam a favela.
A comunidade padece de muitas dificuldades, além dos problemas
cotidianos, ainda existem os males da desigualdade social. Contudo,
nossa gente aprende desde cedo o poder que existe na união.
Enxergamos no dia a dia que um povo forte cresce junto.
Zé do caroço cansado de ver sua gente agonizar por falsas esperanças
de melhorias, resolve arregaçar as mangas e construir um sistema de alto
falante, a serviço da comunidade.
O sujeito sem nenhum medo e papas na língua, trazia a sua gente a ciência
do que se acontecia à sua volta. José alertava sobre os riscos de um
temporal, campanhas educativas, matrículas na creche da comunidade,
trazia informações dos preços da feira, e quando necessário até malhava
os absurdos inflacionais. Quando necessário, rolava até o obituário.
Com a boca no mundo
Zé é um cara ciente das coisas, ele entendia a necessidade do povo, mas
também entendia quando havia necessidade que houvesse a
movimentação de todos. Astuto que só, bem na hora que a televisão
brasileira insistia em ludibriar todo povo com suas novelas, Zé mete a
boca no mundo, ele faz um discurso profundo a fim de ver o bem da favela.
Mas talvez esse ato de coragem pode ser a mordida do calcanhar de quem
vive embriagado de ilusão, de quem acha que dignidade é só para o seu
escalão social.
Lá do alto de um prédio, existia uma descompreendida que não estava
muito satisfeita com os choques de ordens proferidos no alto falante, bem
no horário de sua novela. Como uma serpente ardilosa e perspicaz, deu
um jeito de tentar calar a voz de quem só queria o bem dos seus. Mas Zé
reafirmou sua força mais uma vez.
Um novo amanhã
Mas a nova
manhã
Já tem
novo cantar
Salve quem batalhou pra mudar (Nova Manhã - Leci Brandão)
O nosso sonho vem da vontade de viver com mais dignidade, de poder
almejar um futuro sem ter que enfrentar dificuldades para chegar vivo em
casa. De poder sonhar em ser notícia, longe das páginas policiais do
jornal. O nosso sonho é ver nossa gente orgulhosa do nosso lugar.
Mas Zé nos fez tornarmos mais orgulhosos do chão que fincamos nossas
raízes; Dele veio a força para enfrentar e combater o descaso social que
afetam a dignidade de nosso lugar.
Aprendemos a chorar com os que sofrem, e sorrir com os que se alegram.
Não sei de onde vem a nossa força, que mesmo com toda dificuldade, nos
vestimos do nosso melhor sorriso e altruísmo. Está aí o valor da nossa
gente.
A luta de Zé nos ensinou a valorizarmos o poder da unidade e
coletividade. Foi o combustível essencial para o nascimento de um futuro
melhor, onde conseguimos idealizar nossa gente unida, consciente dos
seus direitos e deveres, com educação como base da nossa gente,
nossos coletivos sociais engajados em melhorias para nossa
comunidade. Fazer do morro o nosso quilombo.
Isso tudo foi Zé quem ensinou.
Salve Zé!
Carnavalescos: Caio Quintanilha e Igor Natividade
Enredista: Marcos Borges
Pesquisa: Caio Quintanilha, Igor Natividade e Marcos
Borges
Texto e desenvolvimento: Marcos Borges
SAMBA ENREDO
Compositores: Celso Tropical, Dedé da Martins, Sidnei, Declá, Bembeco e Ivan D'Wanda
Intérprete: Declá Sodré
Vai ecoar
Raiou o dia no pau da bandeira
Entre becos e vielas
Vai descendo a favela
Pra buscar seus ideais
De cabeça erguida
Josés e Marias
Na luta pelo pão de cada dia
Mãos calejadas
Que transformam a cidade
Quebrando as barreiras da vida
De gente oprimida
Pelo preconceito social
Com a boca no mundo
Um discurso profundo
Faz um alerta geral
No alto falante
É o Zé do Caroço
Está nascendo um Novo lider genial
Contando a história
Desse retirante nordestino
Com força e coragem
Traçou novos caminhos
Um exemplo se tornou
Nos braços do povo
Não se deixou calar
Do sonho a conquista
A semente frutificou
Como é grande a saudade
E hoje é só felicidade
A minha escola vem te homenagear
Garra de Ouro
Traz do morro a raiz
Celebrando o Carnaval
Nossa gente é feliz
Com muita fé justiça
E igualdade
Zé do Caroço
A voz da comunidade.