A Mangueira completou 88 anos e nosso colunista Professor Mariano não deixou a data passar em branco.
Em verde e rosa, o Professor enalteceu a contribuição social que a escola deu ao povo carioca. Confira:
No dia 28 de abril
a querida escola de samba Estação Primeira de Mangueira completou 88 anos. Não
vou aqui nesta coluna, falar dos grandes sambas da Mangueira, dos seus
baluartes que contribuíram para a construção da raiz da nossa música popular,
da sua inconfundível bateria sem surdo de resposta e de suas conquistas. Pois
isso já foi amplamente mostrado por vários artistas e intelectuais. Mas quero
nas próximas linhas fazer um resumo da história social desta escola, que se
confunde com a própria história do povo negro marginalizado da cidade do Rio de
Janeiro.
“A Mangueira não
fica na África, mas no Rio de Janeiro”, foi o que declarou o jornalista Jofre
Rodrigues do alto do morro da Mangueira, em dezembro de 1932, encantado com uma
das primeiras apresentações que a principal escola de samba do lugar fazia para
gente de fora do morro. Este espanto do Jornalista revela o abismo social que
existia entre os moradores dos morros cariocas nas primeiras décadas do século
XX e o restante da sociedade. Quando Jofre Rodrigues afirmou que a Mangueira
não ficava na África, significa que não é na África que devemos buscar as
origens e a originalidade do samba, mas nos morros do Rio de Janeiro tão
discriminado por um projeto elitista de cidade inspirado no modelo francês.
A Mangueira
escola de samba que esta semana vai ter o verde e rosa cobrindo um dos maiores
símbolos da cidade e do Brasil, o Cristo Redentor, nas comemorações dos seu 88
anos. Teve no germe da sua história a luta social pela moradia. A Mangueira se
constituiu em terrenos de uma das encostas do morro dos Telégrafos,
pertencentes a Alberto Negreiros Saião Lobão, o Visconde de Niterói, e que
foram arrendados pelo português Tomás Martins, padrinho de Carlos Cachaça.
Carlos Cachaça que ao lado de Cartola seria um dos maiores baluartes da escola,
foi antes de tudo um agente social importantíssimo para a conquista do morro da
mangueira como local de moradia daqueles que foram esquecidos pelo projeto
burguês de República. Isto porque, era Cachaça que dava os recibos dos barracos
alugados, devido ao analfabetismo de seu padrinho. Tomás Martins era um pequeno
empreendedor que levou emprego e moradia para os moradores do morro da
Mangueira. Tal iniciativa foi seguida por outros empreendedores gerando um pequeno
lote industrial na região da Mangueira e São Cristóvão. Aumentando assim, a
imigração de pessoas para o morro da Mangueira.
Em 1917, quando
faleceu Tomás Martins, o processo de ocupação daquelas terras começou a ser
dominado pelas invasões, até então impedidas por seu arrendatário. No início
dos anos 40 houve um novo pico de crescimento, incentivado pela tentativa de
“fechamento da zona de prostituição do mangue” e pela demolição de moradias
populares no centro promovida pela abertura da Avenida Presidente Vargas. Tal
fenômeno social fez explodir a luta por moradia na comunidade da Mangueira e
transformar a região numa zona de conflito social e violência.
Carlos Cachaça
contou em depoimentos que o contrato de arrendamento entre Tomás Martins e o
Visconde de Niterói previa que “no falecimento de uma das partes, ele ou
Visconde, tomaria conta novamente”. Este documento foi usado por herdeiros do
Visconde de Niterói para tentar expulsar os favelados que já moravam na
comunidade. Mas a justiça negou tal pedido. Mas os conservadores e elitistas
ainda tentaram exterminar com a sociedade da Mangueira em 1964, quando a Escola
de samba já tinha levado o nome do morro para fora do Brasil através dos seus
belos sambas e desfiles. Se aproveitando da ditadura militar recém-inaugurada e
do endurecimento da política de remoção das favelas promovida por Carlos
Lacerda então governador da Guanabara, “um português conhecido no morro por Sr.
Pinheiro” ameaçou desalojar os mangueirenses novamente.
Toda esta luta
dos moradores da Mangueira por moradia foi determinante para o surgimento desta
fantástica e tradicional escola de samba do carnaval carioca. Cartola ícone da
Estação Primeira chegou ao morro da Mangueira trazido pela onda de despejos que
assolava as famílias dos operários na cidade do Rio de Janeiro no início do
século XX. Pouco depois, em 1919, após a morte de seu avô, Cartola e sua
família tiveram que sair da Rua das Laranjeiras, 258 – de uma casa da vila
operária da Fábrica de Tecidos Aliança, onde moravam desde 1916 e assim foram
se alojar num barraco no morro da Mangueira. Seu pai carpinteiro não tinha
condições de sozinho manter a família em Laranjeiras; porém, o avô podia, pois
cozinhava para a família de Nilo Peçanha, político importante da antiga
República.
Construído todo
esse quadro social de habitação do morro da Mangueira, no final da década de 20
um grande fermento cultural começa atingir o morro e faz com isso, surgir à
escola de samba Mangueira.
Em 1927 um grupo
de jovens rebeldes entediados com os blocos mais “família” que predominavam na
folia da favela. Cria o bloco dos Arengueiros que ficou conhecido por seu
desempenho mais burlesco e violento na hora de brincar o carnaval. Mas foi
desse núcleo carnavalesco, que nasceu o que hoje reverenciamos como Mangueira.
Fazia parte desta agremiação uma boa parte de integrantes, que fundariam a
Mangueira em 1928.
Mais que confusão
e briga, os Arengueiros sabiam mandar bem no samba e eram os melhores do morro.
Assim, acompanhando o movimento que se desenvolvia em outras favelas da cidade,
não demorou muito para que abandonassem aquele negócio de briga e partisse para
fazer uma escola de samba onde toda uma cultura negra e operária faria parte de
sua história.
Este ano a Mangueira
depois de um jejum, conseguiu ser novamente campeã do carnaval carioca com uma
grande homenagem a cantora popular Maria Bethânia. Mas o grande legado que esta
escola deixou até agora para a cultura nacional foi à construção de uma
identidade cultural baseada na força de criação e inventividade dos seus
moradores que desde a chegada ao morro dos Telégrafos, lutou não só pela sua
sobrevivência, mas para manter viva a cultura dos seus ancestrais negros
marginalizados por uma política racista da recém-criada República.
Para encerrar esta
coluna quero fazer uma singela homenagem a um dos mais ilustres mangueirenses,
que tive a honra de compartilhar conhecimentos do mundo do samba. Falo de
Mestre Comprido grande compositor já falecido e que é um dos autores do samba
enredo Yes nós temos Braguinha, que deu o inédito supercampeonato a escola em
1984. Na minha passagem como comentarista da rádio Roquete Pinto no Programa
Vai dar Samba, do jornalista Miro Ribeiro, tive o privilégio de aprender o que
é ser mangueirense com esse grande baluarte e beber nos términos dos programas
da rádio a inconfundível cachaça leite de onça, que ele sabia fazer como
ninguém.
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PROFESSOR MARIANO
Historiador e pesquisador do carnaval, um dos fundadores do projeto Cadência da Bateria.
Em suas colunas aborda o carnaval considerando os aspectos políticos e sociais e a importância dos desfiles para a construção da memória da cultura popular.
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