A Vila Isabel entregou na última quinta-feira, 28 de julho, a sinopse do enredo do Carnaval 2017, assinado pelo carnavalesco Alex de Souza.
Confira:
O SOM DA COR
Ouço um tom de pele. Vejo a música que embala. Me arrepio no toque da batida, saboreando o
ritmo que dela exala. Sinto cheiro daquela gente sofrida, no brilho da voz que
não cala. Esta é a saga daqueles que migraram forçosamente, para um já velho
novo mundo. Após séculos no cativeiro,
tingiram estas Américas e as fizeram crioulas. Gerações que se seguiram
colheram os frutos desta musicalidade, semeada por seus ancestrais. Vozes e percussão revelando seus
ritmos, no bater do pé e na palma da mão. Instrumentos inventados ou adquiridos
de outras culturas.
De início, navego milhas, nas ondas latinas, aportando nas
Antilhas, como os hispânicos reinóis, seus descobridores. Entre chocalhos e
maracas, o canto e a dança, ao som da
habanera cubana. Do culto ao etíope monarca africano, nasce o movimento rastafári
caribenho, disseminado pelo reggae jamaicano.
Seguindo para o sul da colônia, conhecemos a cúmbia, "dança dos
escravos" da Colômbia. No Uruguai, a dança com atabaques tem como candombe seu codinome. Bantos, de
origem, seguem para a prateada Argentina, muitos partindo do Brasil.
Embarcavam, levando em si uma cultura genuína, que, transportada em cada
cargueiro, chega ao porto de Buenos Aires vinda do Rio de Janeiro. Assim nascem
a milonga e o tango, seu irmão, que no dialeto banto quer dizer círculo, baile,
tambor ou reunião.
Além das coroas ibéricas, outros reinos colonizaram o continente; ingleses
e depois seus colonos americanos, que se proclamaram independentes, disputaram
com espanhóis e franceses novos territórios. E neles aportaram navios negreiros; a mão de obra
escrava, nos brancos campos de algodão, era despejada. Proibidos de falar,
cantavam. Cantando, dividiam dor, amor e cânticos de louvor. Blues, ou “azuis”, era referência às
pessoas de pele negra e à melancolia nas plantações. Pai do jazz, que contém um
banzo, uma saudade. Nova Orleans foi o berço.
Os instrumentos das bandas marciais, uma vez abandonados, após a derrota dos
sulistas na guerra civil, foram reaproveitados. Segregados, os irmãos de cor dedilhavam
o teclado em igrejas para os fiéis. Restava-lhes pouco espaço, somente em bares,
clubes e bordéis. Assim o “ritmo” vai dominando o suingue do compasso. Do boogie-woogie e do jump blues, nasce um novo gênero que, ao som de guitarras, pelo
mundo inteiro, a juventude conquistou: “Aumenta que isso aí é rock'n roll”. Está na alma, está no soul! Na pista disco. No funk e no techno. Negro é rap, é hip hop. Ser negro é ser
pop.
Agora ouço, das terras brasileiras, histórias que a memória traz. Bantos,
iorubás, jejes, minas e hauçás, sobrevivendo entre a dor e a gana, na ex-colônia
lusitana, deram início a uma íntima relação entre música e fé. E ao seu culto chamaram
“calundu”, e em seus “batuques” na mata aberta, nos cafundós do sertão, uma
cultura se manifesta. “Se negro festeja não conspira", diz o amo branco, que
assim permitia. Na roda dos negros, virou lundu, uma dança sensual que, junto à
fofa e ao fado, atravessou o Atlântico e conquistou Portugal. Este último se une
aos cantos dos mouros, às cantigas dos trovadores, da saudade inerente dos
marinheiros. Consolida-se como canção solista, inspirada na dança estilizada. Revela-se
que o grande orgulho luso, ora pois, tem um pé na senzala.
Nas ruas daqui, o toque
da zabumba chama o povo para o festejo, ao relembrar a coroação do rei do congo num
sincrético cortejo, das embaixadas da nobreza negra, sua corte e seus vassalos. A devoção da irmandade negra católica à
padroeira dos escravos. Salve Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, salve São Benedito. Batem tambores, marimbas e ganzás, nas batidas de caxambus. Dos reisados,
de Chico Rei coroado e dos maracatus.
Festejando em louvação, simulam lutas nos autos negros que saúdam a Divina Senhora
da Purificação. Na tradição nagô, o “candomblé de rua”, na cadência do ijexá
com seus xequerês e agogôs, é representado pelo afoxé. E nos trios elétricos brincam
ao ritmo do axé. Dos grandes mestres e batutas, choram flauta e cavaquinho. As modinhas,
polcas, maxixes, pilares do meu carinhoso chorinho. E nos grandes encontros se
fez o jongo, conhecido como caxambu e corimá.
E o samba, que vem de "semba", a angolana "umbigada",
mexe e remexe nos seus requebrados. Sincopado e malandreado. Vem exibir, com as
palmas e a resposta, os seus passos e rebolados. Meu tamborim de bamba,
valorizando a batucada. Com as bênçãos de Ciata e das "tias baianas",
na Praça Onze e na Pedra do Sal, na Pequena África carioca. “Brasil, esquentai
vossos pandeiros, iluminai os terreiros”, que a negritude tem a primazia. E é
dessa cor que falo, que meus sentidos expressam, naquele que é considerado o
maior espetáculo. Trazendo os matizes de cada pavilhão, a escola que o samba
fez. E ao som das cores da Vila, que é Azul, Branca e Negra também, vem kizombar
mais uma vez.
ALEX DE SOUZA