A proposta do tema é promover uma espécie de casamento entre Brasil e Índia, mostrando que boa parte de nossa identidade historicamente consagrada tem origem justamente em terras indianas. "Tão logo foi aventado este enredo, Fabato e eu nos falamos e decidimos que tentaríamos extrair o que haveria de mais brasilidade e Mocidade nessa proposta", diz Louzada, com a cabeça na busca pelo bicampeonato.
Fabato, que não integra a comissão de carnaval da escola, conta que ficou feliz com o convite para escrever o texto e está confiante no bom desempenho da agremiação. "Louzada é o único carnavalesco que ganhou em quatro escolas grandes diferentes. Nem Joãosinho Trinta fez isso. Ou seja, ele buscou entender o estilo da Mocidade e foi muito especial trocarmos ideias sobre como agradar o coração do torcedor", conta ele, que é autor de “As Três Irmãs – como um trio de penetras ‘arrombou a festa’”, primeira biografia da Estrela Guia da Zona Oeste.
Os sambas concorrentes deverão ser entregues pelas parcerias para a escola no dia 26 de agosto, na quadra da agremiação, de 14h ás 20h.
Namastê... A estrela que habita em mim saúda a que
existe em você
Presidente – Wandyr Trindade (Vô Macumba)
Vice-presidente – Rodrigo Pacheco
Direção de carnaval – Marco Antônio
Marino
Carnavalesco e autor do enredo – Alexandre
Louzada
Autor da sinopse – Fábio Fabato
Introdução
O início, o fim e o meio, quando olhamos
para o alto, são as estrelas. Aqui e em qualquer lugar do planeta. E é junto delas
que mora Kamadhenu, divindade que toma a forma de uma vaca sagrada e flutua na
agitação do oceano cósmico, mãe celestial, provedora da abundância. Segundo os
escritos hindus, lá de cima, com suas tetas abençoadas, jorra o leite, alimento
primeiro da vida, e consegue realizar todos os sonhos. Bem, o início, o fim e o
meio dessa história são formados por encontros que parecem escritos justamente
nas estrelas. A partir da Via Láctea, chamada de rio Ganges do céu, desce o
líquido da inspiração que irriga nossa escola e torna possível o congraçar de
duas terras. A bênção para o casamento começa no deus Brahma (início), então
adormecido no azul, e que desperta para conceber o universo todo. Depois,
aparece Vishnu (meio), a energia mantenedora dessa criação esplendorosa. Shiva
(fim), o deus da transformação de todas as coisas, a dança das possibilidades
do destino, energia que movimenta a invenção e a destruição do que existe,
completa a Trimúrti, trindade suprema que nos abre alas – à moda do que acontece
nos terreiros de samba. Eis a permissão superior para rufarem os tambores de
nossa festa, com Rama e Sita nos cuidados para a perfeita harmonia, e Ganesha,
força contra os obstáculos, sinalizando evolução livre nessa Avenida da utopia
real. Hora de abrir a cortina do passado.
Sinopse do enredo
Namastê... A estrela que habita em mim saúda a que
existe em você
E vem então a clássica cena do navegante
vidrado no mar a ser desbravado. O início, o fim e o meio da jornada rumo ao
desconhecido, ao lado das estrelas, eram águas salgadas e bravias, a primeira
imagem, e também a derradeira, a dobrar a curva imaginária lá no horizonte. Ele
se jogou. Por descuido ou conveniência, o português errou o caminho rumo ao
oriente na rota das especiarias e foi dar, vejam só!, no litoral brasileiro,
redescobrindo o já descoberto por aqueles a quem, preguiçosamente, resolveu
chamar de índios. Velas ao vento, sem saber ou muito sábio (vá saber...), enamorou
as partes “Índias”– religiões, formações, culturas, desigualdades sociais e
independência suada – unindo-as, mesmo que com oceanos de distância. A
pluralidade de tais extensões permitiu a incorporação de valores, sabores, olores,
salpicando estilo indiano no cenário indígena natural. Já que sem a Índia
talvez nem houvesse este Brasil de agora, foi saudação fluida, gostosa, num
troca-troca de peculiaridades que se tornaram jeitinhos nossos. E o tempo tratou
de gravar n’alma.
“Namastê!”, a essência estrelada que
habita em mim saúda a que existe em você. Apesar de significar cumprimento, a
expressão encantou-se com a intenção de reconhecer o ser que existe no outro. E
este Pindorama tropical, convidativo e miscigenado viu brotar por cá um pouco
mais de poesia e identidade do que nos ensinam no colégio. Se daquela enorme
porção de Ásia ecoavam histórias de guerras, conquistas e amor – como a do
palácio de pedras preciosas que virou a mais bela prova do sentimento de um
monarca por sua escolhida – por aqui também brilhavam sagas verdadeiras ou
fantásticas. Sim, os nossos índios adoravam astros, transmitiam lendas, e havia
no ar um etéreo enlace geográfico já em flor. Prima-irmã da asiática flor de lótus,
adereço de Brahma, a vitória-régia nasceu da paixão da índia Naiá por Jaci, ou
Lua, obra divina de Tupã – o trovão supremo da criação, sopro da vida. A partir
de encontros assim entre crendice e realidade, e que redesenhavam – várias
vezes à força –, a natureza genética, social e econômica da terra antes virgem,
aconteceu o primeiro beijo com a Índia. E ele deixou um gostinho doce nos
lábios.
Fato é que a cana-de-açúcar veio
encantadora de longe, ganhou status de grande riqueza agrícola, motor do
Gigante inda menino. E aí, sem doçura qualquer, mas de um azedume dos diabos,
impôs a estrutura desigual da sequência – escravocrata por desviado princípio.
“Ringe e range, rouquenha, a rígida moenda” e, daqueles arranhões e ruídos que
arrepiavam o engenho, saíram o açúcar, a garapa e, como não?, a boa e velha
pinga, fino da nossa bossa. Além disso, a Colônia iria conhecer o poder das joias,
da seda, danças, e um curioso cheirinho bom que enfeitiçou o cangote da
nobreza. Deu em revolução na moda das sinhás que andavam sobre liteiras,
algumas inspiradas no transporte da elite indiana. O sândalo perfumou os leques
que, no vaivém para espantar o calor do Verão naquele precário e apaixonante
chão, sopraram nova essência para os movimentos históricos. E a chita virou
marca, tecido porreta, o belo e o feio no país que nasceu contraditório.
Transitou na corte, no baixo clero, virou discurso de quem tanto quer causar
quanto desaparecer na multidão, a depender da estampa. Vestido de princesa ou
toalha de mesa, madame? Mas foi justamente à mesa a maior das delícias do
matrimônio que nos inventou, reinventou e, é claro, danou de também recriar o
que veio de tão longe. Impossível não notar que a culinária brasileira versa
sobre a nossa cultura tal qual a música, os pincéis, os corpos em balanço. E a
Índia não se intimidou quando convidada a invadir o cardápio.
Ora, o comércio
das especiarias nos entregou, no começo de tudo, a pimenta-do-reino, a
noz-moscada, o gengibre, o cravo, a canela. Ou seja, nascemos assim, crescemos
assim, somos mesmo assim, vamos ser sempre assim – plenos de sabores e aromas
que inspiram a arte e os costumes. “No tabuleiro da baiana tem... Vatapá,
caruru, mungunzá, tem umbu pra iôiô...”. E quem há de negar que a Índia foi
incremento para este paladar eternizado na voz de Carmem Miranda? Já as frutas
indianas viraram autênticos discursos de um Brasil que, mais à frente, se quis
grande e bronzeado para mostrar o seu valor. As nossas morenas ganharam cor de
jambo na praia, o coco – da cocada, cuscuz e dos manjares – virou Aquarela,
dádiva do tronco forte aonde Ary Barroso amarrou a sua rede nas noites claras
de luar. Mas nenhuma outra nos fez a República que viramos, de democracia ‘vezenquando’
vacilante, quanto a banana. Yes, nós temos! Para dar, vender, engordar e,
quiçá, crescer. Inda houve três árvores asiáticas que, de batuque em batuque,
quem diria?, deram o toque de mestre à receita do carnaval. A mangueira inspirou
certa supercampeã Estação Primeira, do verde e manga-rosa inconfundíveis. E o
“Corta-jaca”, de Chiquinha Gonzaga, que escandalizou os conservadores quando
executado no Catete? Sim, ele é filho da mesma jaqueira que encantou o voo
seminal da Águia Altaneira de 22 carnavais vitoriosos. Para completar, um
obrigado do fundo do nosso quintal para quem, à sombra da tamarindeira,
caciqueou por dias a fio e, incansável, só foi parar na cinzenta quarta-feira.
Já esta
brincadeira não cessa agora. Prepare o seu coração pro que eu vou contar: bem mais de século faz que,
sob o mesmo signo da transação com temperos, o boi Zebu indiano também cá
desembarcou, sujeito e predicado, valioso de tudo. Corcova alta ou cupim,
cabeça no lugar, sábio fazedor-pensador da vida, em nosso pedaço se pôs até a
filosofar sobre os homens – estes que, coitados, não sabem ouvir “nem o canto
do ar, nem os segredos do feno” – incapazes, portanto, de perceberem outro
ambiente, que não o da própria razão. O Zebu, pelo contrário, fez daqui o seu novo
mundo, virou brasileirinho, cultura popular, economia vigorosa e até poesia
matuta. Quem não sabe do formigueiro que picou o animal preguiçoso que só
queria ‘cuchilá’ à sombra do juazeiro? Do rio Ipojuca, mestre Vitalino
consagraria o boi que veio da Ásia na arte sertaneja, forjando e cristalizando
do barro, com as mãos, a imagem de um torrão do Nordeste que escorreu aos
quatro cantos a partir do fuzuê da feira de Caruaru. Sagrado para quem fica do
outro lado do mar, o bicho à brasileira é Guzerá, Indubrasil e, na criatividade
das manifestações, Mansinho, de Mamão, Bumba-Meu-Boi, Boi-Bumbá, ah..., e o que
mais a imaginação dessa gente puder tratar de misturar. Eis aí o nosso charme.
E também destino. Indeléveis.
Mas destino mesmo é o de sermos
independentes, tal qual a Mocidade, assim eternizada em pia batismal, palco
desse casamento sem fronteiras aqui. Gente é pra brilhar, para ser livre pelas
veredas concretas da paz, sábia senhora, via dos inquietos, dos sonhadores, dos
inconformados diante da desordem das coisas e desse mundo louco. A
desobediência civil pacífica do líder Mahatma Gandhi, que encontrou no calor da
resistência não armada a senha da liberdade de seu país, foi semente, perfume e
tempero indianos de senhora pregnância. E ressonância. Viramos, e fomos, e
somos, e seremos todos Filhos de Gandhi, cujo Afoxé exubera axé, e filhos do
axé de nossos próprios mensageiros de luz nacionais. De Betinho, com quem
sonhamos em regresso no barco da volta, passando por Gentileza e sua urbana
poesia naïf saída do fogo, até Mãe Menininha do Gantois, Chico Xavier, Chico
Mendes, Dom Hélder Câmara, Abdias do Nascimento, Irmã Dulce, Mãe Beata de
Iemanjá... Tantas, tantos. Pinta o rosto, meu amor, igualzinho ao que ocorre no
milenar festival Holi, das Cores, na Índia, que celebra o triunfo do bem sobre
o mal. Chama todo o pessoal e manda descer pra ver: hoje é carnaval!
Nesse fraterno banho-ritual de
mitos em águas de aproximação, Ganges então se funde com outro rio em igual
medida abençoado, nosso Rio de Janeiro, mas também de fevereiro, março, abril –
do famoso requebro febril – semeado pela velha Guanabara mater por onde um dia
desembarcou o navegante que partira com olhos de cobiça. Assim, voltamos ao
começo, à descoberta que se tornou mescla, e a história faz um círculo
descrevendo a simbologia da mandala, no girar da roda do tempo que nunca para.
Eis o completo entrelaçar de mensagens, sonhos e sagas de dois povos, Brasil e
Índia, sob o cuidado atento de alguém que, sagrado e superior, inclusivo e
sincrético, nos legou justamente a mensagem dos citados pacifistas e o
autoconhecimento para decodificarmos a gramática percussiva dos nossos
corações, por vezes tão vagabundos. Foi um profeta Maluco Beleza que nos contou
certa vez sobre este ser divino que é em si filosofia de vida para quaisquer
recantos e crenças, sob formas, feições e tambores variados. Alguém que, feito
da terra, do fogo, da água e do ar, tudo vê e, mais longe: tudo é. A luz das
estrelas, a cor do luar, a mãe, o pai, o avô. O filho que ainda não veio. O
início, o fim e o meio.
Fábio Fabato
“Enredo dedicado ao Movimento Autofagia Independente, que despertou ainda
mais a essência que habita em mim para a essência da Mocidade.” (Alexandre
Louzada)
“Texto dedicado aos Trindades da Mocidade, figuras e energias que
criaram, mantêm e encantam os destinos da escola...” (Fábio Fabato)
SETORES
1) Eram os deuses abre-alas...
2) Segredos de uma “Índia” com bons selvagens
3) Colônia lusitana com fragrância asiática
4) Identidade e poesia em mesa farta
5) Nosso boi brasileirinho
6) Gandhi e os mensageiros da paz
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Namastê!
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