A Beija-Flor será a última escola a desfilar na segunda-feira de folia.
'A sociedade encontra a tradução para entender nossos dramas'
No Carnaval 2018 a Beija-Flor de Nilópolis pretende lançar um grande grito de alerta contra práticas nocivas à nossa sociedade. O enredo ´´Monstro é aquele que não sabe amar! Os Filhos abandonados da Pátria que os Pariu`` será desenvolvido pelo comissão de carnaval da agremiação a partir da ideia inicial de Marcelo Misailidis, coreógrafo da comissão de frente da escola. "Frankstein é uma obra que foi inscrita há 200 anos e traduz com muita profundidade a realidade e a utilização desmedida da vaidade intelectual, além da ambição desgovernada. Neste momento a sociedade do Brasil encontra a tradução mais apropriada para entender os dramas sociais que afetam a nossa cidade", explica.
'A sociedade encontra a tradução para entender nossos dramas', sintetiza Marcelo Misailidis
SINOPSE DO ENREDO
MONSTRO É AQUELE QUE NÃO SABE AMAR! Os Filhos Abandonados
da Pátria que os Pariu.
O enredo foi desenvolvido pela comissão de carnaval da azul e branca formado por Lailá, Cid Carvalho, Bianca Behrends, Victor Santos, Rodrigo Pacheco e Léo Mídia, e também do bailarino e coreógrafo da comissão de frente, Marcelo Missalidis.
A ficção do monstro do Dr.
Frankenstein nos coloca frente a frente à nossa capacidade de repudiar o que é
estranho e diferente, de negar amor ao que não compreendemos.
O ser criado em laboratório a
partir de pedaços de gente costurados rusticamente, e da ausência de ética e de
limites, não foi reconhecido como um semelhante porque possuía aparência
anormal e feia e, acabou sendo excluído,
repudiado e renegado pelo próprio pai.
A estranha criatura, abandonada,
sozinha, incompreendida e entregue a própria sorte, se transformou em anjo
caído, revoltado pela falta de amor.
Mas, quem é o verdadeiro monstro
nessa estória? A criatura de aparência repugnante, ou o criador, com seu egoísmo,
seu orgulho, sua arrogância e seu coração corrompido?
Essa obra vai completar 200 anos,
mas tem muito a nos dizer das diversas mazelas que atualmente corroem a integridade
moral e espiritual de uma sociedade onde a desigualdade se alimenta do descaso,
formando uma geração dominada pelo caos, vitimada pelo abandono e que vive a
mercê de seres humanos bestiais que menosprezam tudo e a todos que lhes parecem
inadequados e fora dos padrões estabelecidos.
O monstro do Dr. Frankenstein é a
nossa realidade invertida, é a nossa culpa escancarada e jogada em nossas
caras, mas que da qual fugimos e negamos qualquer responsabilidade. A criatura
é o nosso espelho da vida refletindo nossas falhas mais gritantes, nossa falta
de amor com o que nos cerca e com o próximo, e o nosso desrespeito às
diferenças.
Somos parte de um sistema
doentio, gerador de criaturas que falam línguas diferentes e aparentemente
indecifráveis para os governantes, e que perambulam incompreendidas e esquecidas
pelos becos, ruas e vielas dessa selva de pedra que um dia já foi o paraíso.
Mas, o sonho de uma criança ainda
é pintar o futuro em folhas brancas da imaginação e traçar o mundo inteiro na
palma da própria mão. Porém o que vemos são crianças abandonadas pelos pais,
longe das escolas, vendendo balas nos semáforos ou se transformando em pivetes
e disparando balas de armas que cospem fogo e dor. Por sua vez, os filhos jogam
os pais idosos em asilos, feito fardos pesados demais, numa espécie de reflexo
invertido.
É a carência de amor escancarada
pela ausência de opção ou pela falta de pão, levando irmão a matar irmão. São
pedaços de família, soltos, desapegados, sem ligação. São retalhos de uma
sociedade refém de uma violência cruel que corrói a nossa dignidade e espalha o
medo que nos devora a alma em cenas trágicas que passam diante de nossos olhos
como um filme de terror, retratando vidas que se perdem num instalar de dedos
em cenários reais e angustiantes. São as casas gradeadas, feito fortalezas de
proteção, onde temos a sensação que nós é que estamos na prisão, numa banalização
do mal, do sofrimento alheio e da própria vida humana, que transforma a luta
diária, em luto constante.
São os Cavaleiros do Apocalipse
político, camuflados com ternos, gravatas e hipocrisia, cavalgando no lombo da
ambição e espalhando a falta de esperança. São as filas, as falhas e falcatruas
alimentando saúvas e adoecendo a saúde; são zumbidos perdidos, sem direção,
assustando a população e matando o futuro na nação. É a paz escondida na
tristeza de cada olhar, na saudade doída dos que se foram, na fatalidade do
silêncio dos que já não podem chorar. É o refugiado da seca que ainda não
encontrou a terra prometida; é o brasileiro acuado, sem ter para onde fugir. Mas,
na delação do “boca de sabão”, certo e errado pode ser apenas uma questão de
ocasião.
Será que há salvação?
Será que no final do túnel haverá
luz?
Ou será que carregaremos
eternamente essa cruz?
Sentado na escadaria, um pedinte
estende as mãos implorando esmolas, disputando com terços e santinhos a atenção
de quem passa para se ajoelhar diante do altar de ouro; numa encruzilhada
adiante, aproveitadores da boa fé despacham oferendas sem axé que servem para
aliviar a fome e a sede do morador de rua; enquanto falsos profetas, em templos
colossais, cobram dízimos celestiais, perseguem crenças diferentes, sufocam
manifestações culturais e fomentam uma espécie de “Guerra Santa”: o sagrado
versus o profano, a batucada proibida, a roda de samba coibida, a bebida no
boteco; tudo é coisa do “coisa ruim”!
Porém, tudo que se constrói ou se
destrói, se começa pela base, porque se não se fortalece a base, toda a
edificação estará fadada ao desmoronamento. E a base, a estrutura de uma
sociedade é a cultura. É preciso voltarmos às nossas raízes e nos
reinventarmos. E se reinventar não significa mudar a essência ou renegar as
origens. Reinventar tem um quê de renascimento, de tornar a ser criança, de
redescobrir o poder de amar. Somente o amor e a valorização da cultura
impedirão que os monstros da nossa sociedade continuem surgindo, se
multiplicando e ameaçando o que temos de mais autêntico.
Cabe a nós sambistas,
historicamente marginalizados e excluídos, sempre olhados com estranheza e
preconceitos, perseguidos pela cor de nossas peles, pelo colorido de nossas
roupas, pela nossa fé ancestral e pela nossa batucada, o alerta, a resistência
e o protesto. Algumas vezes nos negaram a alma, outras tantas nos deram uma
alma demoníaca, mas nunca conseguiram nos calar, silenciar as nossas vozes e os
nossos tambores, porque somos das ruas, das praças, dos botecos, somos
malandros boêmios e carregamos na alma a alegria que debocha das dificuldades,
mas, se for o caso, afogamos as tristezas com uma cerveja bem gelada.
É chegada a hora de juntarmos os
retalhos das nossas consciências que deixamos no baú empoeirado do nosso
comodismo e costurarmos as fantasias dos abandonados e dos excluídos. Nesse
cortejo popular, os verdadeiros monstros da nossa sociedade desfilarão sem
máscaras para serem reconhecidos e malhados na quarta-feira de cinzas!
Que a Maria, a nossa Pietà, com
seu filho nos braços e a lata d’água na cabeça, seja o retrato da luta de todos
que apenas desejam ser amados e respeitados.
Que as ruas voltem a ser o grande
tabuleiro da pluralidade da nossa gente, onde as peças dançarão ao som de uma
batucada democrática. Que o nosso “rei” que é Momo, que é da folia, que é do
povo, junte realeza e “peões”, derrube a “torre” da intolerância e dê um
xeque-mate na tristeza. E assim, a Escola de samba e a comunidade, ali
costuradas pelo amor a nossa cultura, se tornarão um só corpo novamente e o
samba triunfará mais vivo do que nunca.
Que nesse arrastão de alegria, as
drags e meretrizes encontrem um amor de carnaval; o velho
arlequim nunca desista de beijar a colombina; o malandro continue caindo de paixão
pela sedutora cabrocha e o pierrot, levante a cabeça, dê a volta por cima e,
dance apaixonado com a passista formosa. Porque o samba é o palco mais
democrático da nossa cultura popular e une irmãos de todos os cantos e
bandeiras, festejando as diferenças e celebrando a paz sob um céu azul e branco.
Mas, se ainda assim você nos descrimina
e não entende o nosso jeito de ser feliz, não nos leve a mal, o monstro é você!
Largue o nosso carnaval!
Afinal, monstro é aquele que não
sabe amar!
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