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sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Garra de Ouro divulga enredo 2020 em data histórica.


sexta-feira, 11 de outubro de 2019.
No dia em que se comemora o 194º aniversário de Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista e escritora negra brasileira, a precursora de todas as outras. o GRCES Garra de Ouro divulga seu enredo para o Carnaval 2020. "Mulheres Negras do Cais. Resistência, pensamento e poesia, no mar do Garra de Ouro", é o título do enredo desenvolvido pelo pesquisador e professor Carlos Mariano.

"É no mar de Iemanjá, com sua beleza e poesia, quem guia as mulheres negras do cais para um encontro de amor, força e coragem com sua ancestralidade. As escritoras Maria Firmina Dos Reis, Conceição Evaristo, Eliana Alves, Elisa Lucinda, Lia Vieira e Débora Moreno, mergulharão no mar do Grêmio Recreativo e Cultural GARRA DE OURO para pensar e revelar, por um olhar autêntico, fecundo e transformador, a existência do negro", narra a sinopse.

O presidente Cidiclei da Costa, a vice-presidente Tia Tunica, o presidente de honra Sidnei dos Santos e toda a direção do Garra de Ouro apostam mais uma vez num tema que enaltece o negro, que mexe com a história de todo país, identidade que a agremiação do Largo da Batalha vem consolidando nos últimos desfiles.

Em 2020, a Garra de Ouro será a quarta escola a desfilar pelo Grupo B na segunda-feira de carnaval.

Identidade - Fundado em 2003, o Garra de Ouro participa dos desfiles de Niterói desde a revitalização 2006. Ao longo dos anos vem inserindo em seus enredos, temas sobre personagens e histórias do povo negro. No último carnaval a escola apresentou uma bela homenagem ao importante líder abolicionista, Luiz Gama, que também será enredo do Acadêmicos do Cubango em 2020. O propósito do Garra de Ouro é agregar pessoas adeptas à causa, construindo um círculo comum, conscientizando e divulgado histórias do nosso povo.

Confira a sinopse do enredo de autoria do professor e pesquisador Carlos Mariano

Apresentação

É o mar de Iemanjá, com sua beleza, poesia e mistério, quem guia as mulheres negras do cais para um encontro de amor, fecundidade, força e coragem com sua ancestralidade. Maria Firmina dos Reis, Conceição Evaristo, Eliana Alves, Elisa Lucinda, Lia Vieira e Débora Moreno, mergulharão no mar da imaginação do Grêmio Recreativo e Cultural Garra de Ouro para pensar e revelar ao público da Rua da Conceição, uma maneira autêntica de narrar a existência do negro na sociedade brasileira. E mais do que isso, mostrar esse pensamento negro pelo olhar singular e fecundo da mulher.

Ao longo do nosso desfile, mostraremos através das narrativas dessas seis mulheres, que a mãe África é muito mais que sofrimento, escravidão e religiosidade. É também fazedora de um conhecimento que foi transformado em cultura e saber que forjou a nação brasileira.

Portanto, nessa narrativa, a dor, o saque, a violência corporal e a distância da África serão transformadas, por essas mulheres, em resistência, amor e poesia, reconstruindo assim, uma maneira extraordinária de falar do negro, em especial da mulher negra.

A partir de um olhar feminino a herança deixada pela ancestralidade africana, desde sua chegada ao Brasil, será lembrada e reconstituída por essas escritoras, por meio de uma escrita que Conceição Evaristo vai classificar de escrevivência. Nela, o corpo negro se torna um reino da subjetividade, onde as lembranças afetivas e memórias de pele constroem um percurso textual marcado pela luta da afirmação de uma identidade negra e a reversão do discurso estereotipado construído sobre o negro ao longo do tempo.

É dentro desse contexto da escrevivência de Conceição Evaristo que aparecerão nossas negras escritoras do cais. A primeira é Maria Firmina dos Reis, uma mulher a frente do seu tempo. Pioneira romancista brasileira, Firmina traz no seu romance Úrsula, três personagens negros do século XIX, quando vigorava no Brasil, o triste sistema escravista do qual ela, foi uma crítica contumaz. Os personagens são Túlio, Susana e Antero, obviamente escravos na sociedade brasileira da época, mas que no seu romance se transformam em seres humanos (bem diferente da visão de “mercadoria”, de “coisa”, de “objeto de lucro” comum no período) e livres, com vozes e sentimentos próprios. Úrsula é uma obra literária que faz parte do chamado romantismo brasileiro, movimento literário que tem como características o nacionalismo, o subjetivismo, o individualismo e a idealização da figura da mulher. No Brasil, o romantismo toma contornos muito mais conservadores. A maioria dos escritores românticos é ligada a uma aristocracia escravocrata e machista. Liberdade e transformação, virtudes que presenciamos no romantismo europeu, passarão batidos no nosso Brasil Império e conservador. Mas, é aí, que está a genialidade e o pioneirismo de Firmina: ela, como mulher e negra, em seu romance, rompe com duas chagas da nossa cultura, o racismo e o machismo. Úrsula é um romance que deveria estar presente em sala de aula para ser estudado em Literatura. Entretanto, não só não está como foi esquecido!Assim como também Maria Firmina dos Reis. Nosso enredo quer corrigir esse erro absurdo!

Conceição Evaristo aparece como uma extraordinária alegoria, que vem para resgatar e preservar a luta das nossas mulheres pretas do cais. Na sua forma de pensar a escrevivência, Conceição (me permitam chamá-la pelo primeiro nome, pois esse enredo trata-se de mulheres) resgata Maria Firmina dos Reis como uma escritora que falou da ancestralidade negra, como protagonista do seu corpo, de sua alma e de sua gente. Conceição Evaristo continua mergulhada em nosso enredo, nesse mar de histórias e memórias. Nascida nos quilombolas modernos da nossa contraditória e injusta sociedade brasileira, as favelas, ela construirá uma recente obra literária na qual, a palavra se torna uma ferramenta de resistência contra um racismo que insiste em corroer os alicerces da nossa sociedade e impede nossa frágil e jovem democracia de florescer. Com sua escrita valente e contumaz, Conceição transforma a narrativa literária em uma eterna carta de alforria, gritando que a mulher negra quer se sentir pertencente numa sociedade, que insiste em defender e manter a exclusão.

Em 2018, Conceição Evaristo, num ato que mostra bem o que é ser uma artista, cidadã do seu tempo, bate na porta da Academia Brasileira de Letras (ABL), como um poderoso surdo de marcação, e propõe que seja ela, negra, mulher e escritora, que falou como ninguém em liberdade, que tomasse posse da cadeira número 7 da Academia. Cadeira esta, que pertencia a Castro Alves: escritor abolicionista branco, considerado o patrono literário do movimento abolicionista. Com essa atitude, militante e histórica, Conceição coloca a nossa conservadora Academia em cheque. Nessa posição, a ABL não se constrange e nem se sensibiliza com seu tão amoroso, histórico e justo discurso. Não só não a elege para a cadeira, como coloca no lugar de Castro Alves, Cacá Diegues, branco, que é cineasta.

Nesse revolto mar do Garra de Ouro emerge, das águas cristalinas da escrevivência, Eliana Cruz. Ela mergulha com seus romances numa história em que a ancestralidade será o alimentador da alma narrativa. Nessa ancestralidade histórica ela encontra uma sociedade que age como água de barrela, nome de um dos seus grandes trabalhos literários. Água de barrela era uma espécie de produto que as negras escravas jogavam nas roupas para deixá-las mais brancas. As duas grandes obras de Eliana, Água de Barrela e Crime do Cais do Valongo, abrem o mar obscuro da nossa história e revelam as maravilhas negras que povoam nossa memória. Essas maravilhas são seus personagens que ganham vida e poesia e, ao mesmo tempo, resgatam uma alma africana original. Demarcada pela força da luta e criatividade de um povo que foi escravizado sim, mas que pode emergir da história trazendo também seu pensar, sua cultura e sua memória.

Eliana, por meio de seus romances, reescreve a história negra por um viés autêntico. O negro falando de si, sem medo e com orgulho da sua memória. Quanto mais negra nossa história for mais rica, surpreendente e esclarecedora ela será aos olhos das futuras gerações, nos ensina essa jovem e talentosa escritora brasileira.

Nesse fabuloso mar da imaginação surge agora a eclética Elisa Lucinda, além de escritora, mostra também seu talento negro na música e no cinema. Elisa traz uma mãe África moderna, livre, leve e solta. Uma África mulher que sangra, que cria seus filhos com coragem e encanto, germina como as galinha d'angola e nutre, com seu leite, a força da mulher. Com coragem e inovação, Elisa traz para a Rua da Conceição a bravura do feminismo sem o cor-de-rosa, mas sim, com o vermelho da menstruação lunar, das rosas cálidas revolucionárias que combatem a estupidez de um machismo histórico calcado no patriarcalismo latifundiário.

Fecharemos nossa história, transbordando o nosso mar negro de poesia, com as duas últimas homenageadas desse afetivo enredo. Duas escritoras que têm ligação com a nossa querida Niterói: Lia Vieira e Débora Moreno.

Lia, em sua icônica obra literária, revela a mulher que inventou o mar – uma reinterpretação de uma personagem negra que foi estereotipada na historiografia brasileira. Estamos falando da senhora Francisca da Silva Oliveira, vulgarmente conhecida como Chica da Silva.

A Chica, narrada por Lia, não está revestida do estereótipo da mulher negra fogosa que, somente pela sensualidade, consegue prender a atenção do seu marido, o comendador branco João Fernandes de Oliveira. Ela é retratada, na obra de Lia, como a mulher que inventou o mar. E o que significa tal metáfora poética criada por nossa escritora sobre Chica? É que Lia,olhando para senhora Francisca da Silva, e não somente para a Chica construída pela sociedade branca, encontra uma mulher que vai além da sensualidade. Ela nos concebe uma Chica da Silva verdadeiramente negra. Uma mulher que tem o mar como artefato sentimental que a leva de volta à sua África.

A mulher que inventou o mar é o extraordinário que emerge das profundezas do mar da nossa história, pois, desmistifica o falso mito da Chica que manda, idolatrada por todos os segmentos de artes no Brasil: literatura, cinema e, inclusive a escola de samba. Quando Salgueiro fez o seu enredo sobre Chica da Silva, em 1963, que lhe rendeu o campeonato daquele ano e consagrou o seu lindo samba-enredo, a escola da Tijuca falava sim de uma personagem negra, mas essa personagem vinha revestida de um pensamento que falava das coisas da África por um olhar eurocêntrico ensinado nas aulas de História.A Chica, que o Garra traz para a Rua da Conceição, é uma Chica memorial que se vê reconhecida na sua ancestralidade, que elege o mar como símbolo de uma utopia que lhe faz se aproximar das suas raízes e se sentir eternamente negra, mesmo que o sistema colonial lutasse, todos os dias,para embranquecê-la.

Encerrando o enredo, traremos para o mar negro, a fantástica Débora Moreno: escritora fabulosa, oriunda do nosso morro do Estado, comunidade do centro de Niterói. Ela encontrou-se com o mundo das letras quando descobriu sonhos de purpurinas através das capas coloridas dos livros, misturados aos dejetos urbanos que catava para sobreviver numa sociedade de classe, ainda marcada pelas desigualdades de gênero e etnia.

A boneca de pano Lolita será a personagem de Débora que traremos para a Rua da Conceição para denunciar o apartheid social promovido todos os dias pela sociedade de mercado. A sabedoria de Lolita gritará que os nossos jovens negros não podem continuar impedidos de sonhar, pois morrem de balas de revólver desferidas por um sistema que se recusa a pagar a dívida histórica que tem com os nossos afrodescendentes, com a ausência de educação pública de qualidade, moradia digna, saneamento básico...

A linda experiência de vida que Débora Moreno nos ensina, uma escritora que nasceu e se superou com graça e talento dentro da nossa retrógrada sociedade de classe, que exclui os pobres das periferias do progresso, não pode ser exceção, mas sim regra!

Aí estão, foliões e opinião pública do carnaval de Niterói, as nossas extraordinárias mulheres do cais! Mulheres que nos mostraram, por seus pensamentos, vivências e narrativas, que a história dos negros e negras podem ser contada além do horror da diáspora do tráfico negreiro, ou duro destino do cativeiro, ou morte do cais. Essas belas e talentosas mulheres nos ensinam que por trás dessa cruel realidade, se esconde uma história de luta pela existência material e simbólica e uma fantástica cultura que nos revela um pouco do que somos, como brasileiros, todos os dias.

Justificativa do Enredo

As mulheres negras do cais resgatam, através do pensamento e da narrativa, um falar autêntico e livre da mulher negra sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira. Revelamos o universo da literatura das escritoras afrodescendentes. Viajaremos no pensar negro de Maria Firmina dos Reis, Conceição Evaristo, Eliana Alves, Elisa Lucinda, Lia Vieira e Débora Moreno.

Traremos para a Rua da Conceição uma reflexão de uma África real de afeição feminina, além dos estereótipos eurocêntricos e machistas, mostrando assim que podemos falar de uma África que ultrapasse os jargões da escravidão, sofrimento e religião.

Bibliografia

Alves Eliana Cruz
Água de Barrela
2016 Fundação Cultural Palmares DF Brasília

Alves Eliana Cruz
O Crime do Cais do Valongo
2018 Malê BH

Vieira Lia
Chica da Silva - A Mulher que Inventou o Mar
2001 OR Produtor Editorial Independente RJ

Firmina Maria dos Reis
Úrsula e outras obras
2009 Edições Câmara

Lucinda Elisa
A Lua Que Menstrua
1997

Priore Mary Del
A Mulher na História do Brasil
1999 Editora Contexto SP

Musa Beto
Estereótipos do Negro na Literatura Brasileira
1989 Centro de estudos afro-asiáticos

Gonçalves, Ana Maria
Um Defeito de Cor
2006 Recorde RJ

Lopes Nei
História e Cultura Africana e Afro-Brasileira
2008 Barsa Planeta SP

Revista Tempo Brasileiro – O Negro e a Abolição 1988

Stuart B. Schwartz
Segredos Internos – Engenhos e Escravos na sociedade Colonial
2000 Companhia das Letras

Viotti Emilia da Costa
A Abolição
2001 Global

M. Lia Schwarcz e Heloisa M. Starling
Brasil: Uma Biografia
2015 Companhia das Letras

Costa Haroldo
Salgueiro 50 anos
2003 Record
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