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sábado, 18 de julho de 2020

A narrativa do negro nas escolas de samba e o importante enredo do Império da Tijuca para 2021

sábado, 18 de julho de 2020
O colunista da Cadência da Bateria, Professor Mariano, cita o enredo do primeiro Império do samba para destacar a importância da volta às origens das escolas de samba, e questionar a ideologia do branqueamento que tomou conta da escola de samba nas últimas décadas no momento em que vemos o racismo estrutural mostrar sua cara no Brasil e no mundo. Confira a coluna do Professor.

A narrativa do negro nas escolas de samba e o importante enredo do Império da Tijuca para 2021. Uso do termo “tema afro no Carnaval” é sinal de amor às origens ou negação da identidade?
por Professor Mariano

O Império da Tijuca escolheu como enredo para o Carnaval 2021 “Samba de Quilombo, a Resistência pela Raiz”, escrito e desenvolvido pelo carnavalesco Guilherme Estevão. Nele, a escola do morro da Formiga pretende relembrar a experiência carnavalesca do Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, agremiação carnavalesca criada no fim de 1975 por grandes baluartes do mundo do samba, como Antônio Candeia Filho, Wilson Moreira e Nei Lopes. 

Ao trazer para o sambódromo a saga quilombola de Candeia e sua turma, o primeiro império do samba, como é carinhosamente chamada a Tijuca, reascende uma reflexão que permeia o mundo do samba desde a década de 1960: para onde o samba está indo? Ou, para onde estão levando nosso samba? Dentre uma série de fatores responsáveis por essas indagações estão, principalmente, o distanciamento das escolas de sambas das suas comunidades de origem e o branqueamento da narrativa das escolas de samba no seu dia a dia. 

O Império da Tijuca escolhe falar, no Carnaval de 2021, sobre a história da Escola de Samba Quilombo, no mesmo momento em que se percebe que as escolas de samba fazem uma espécie de busca por enredos que ressaltam a história e realidade do negro. A crítica especializada em carnaval, geralmente, classifica esses enredos, como tema “afro”. 

A escola de samba criada no final da década de 1920, ou seja, no século passado, foi uma realização cultural dos negros afro-brasileiros marginalizados pela política excludente da chamada Primeira República. Foi assim que, Ismael Silva e seus parceiros do Estácio, tiveram a ideia de criar uma escola que ensinasse samba e cultura negra para as futuras gerações. Desse modo, nascia o conceito de escola de samba. Portanto, é no mínimo incoerente classificar um enredo de “afro” quando ele aborda os assuntos pertinentes ao próprio negro. Quando a escola de samba assume quem é, o termo afro desaparece para perpetuar em toda ela, em todo o enredo, simplesmente porque aborda a sua origem. Naturalmente, ela está afirmando aquilo que a escola Quilombo dizia ser: a raiz do samba. É preciso se declarar negro e ter orgulho disso! 

O termo, enredo “afro”, me parece ser um conceito defendido por aqueles que até reconhecem o valor da cultura afro-brasileira, mas, ao mesmo tempo, não reconhece essa mesma cultura como parte constituinte da nossa identidade brasileira. Quando a escola de samba criada por negros resolve falar da sua religião matriz, da sua dança e do seu samba, não seria brasileiro, mas africano, segundo essa teoria. Isso é a ideologia do branqueamento que tomou conta da escola de samba, principalmente a partir da década de 1960, quando deixou de ser um núcleo cultural comandado por uma comunidade negra, formada por trabalhadores, desempregados e marginalizados pelo capitalismo dependente e virou uma empresa multicultural e racial. Bem ao sabor da ideologia da chamada democracia racial brasileira.
Mas, no momento em que a gente vê o racismo estrutural a mostrar a sua cara no Brasil e no mundo, de forma escancarada e sem pudor, muitas escolas de samba parecem agora, reconhecer a importância da negritude na sua formação identitária. 

Assim, é genial o Império da Tijuca trazer, à luz da crítica carnavalesca, a escola manifesto Quilombo como seu enredo para o Carnaval de 2021. Mostra que uma parte do mundo do samba ainda quer discutir a tese central da galera do Quilombo, que é: o samba é sim, de todos nós, brasileiros e dos seres humanos das galáxias. Mas, não podemos nos esquecer, que ele é uma criação e contribuição de nós, negros, para o Brasil e o mundo. É, justamente o que o mestre Candeia defendia: a escola de samba é um lócus da comunidade negra. A paz, o amor devem, sim, perpetuar entre nós. Mas, a essência que nos conduz é a luta pela afirmação da raça negra como detentora de sabedoria e formadora da identidade brasileira. O Brasil é África socialmente e culturalmente.
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PROFESSOR MARIANO

Historiador e pesquisador do carnaval, um dos fundadores do projeto Cadência da Bateria. 



Em suas colunas aborda o carnaval considerando os aspectos políticos e sociais e a importância dos desfiles para a construção da memória da cultura popular.
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