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domingo, 6 de março de 2016

Memória e reflexão do Carnaval de Niterói

Em sua coluna dessa semana, Professor Mariano lembra de suas participações como carnavalesco em escolas de Niterói e faz uma reflexão sobre a forma como os enredos são conduzidos dentro das agremiações da cidade. Confira.

"Minha passagem pelo carnaval de Niterói: Memória e reflexão"
por Professor Mariano

Na minha passagem como carnavalesco do carnaval de Niterói nas escolas de samba União da Engenhoca e Garra de Ouro, sempre tive como preocupação, a elaboração de enredos e consequentemente desfiles, que fizessem do carnaval da cidade, uma fonte de pesquisa da história de Niterói e de seu povo para as futuras gerações.

Foi assim, que em 2009 estreei na Engenhoca trazendo para a Rua da Conceição o enredo: “Na União da Engenhoca os corações contam a sua história.” Nele se evocava a memória da inesquecível Corações Unidos. Escola que junto com Viradouro, Cubango e Combinado do Amor ajudaram a escrever um dos momentos mais profícuos do carnaval niteroiense nas décadas de 60,70 e 80. Quando este foi eleito pelo brilhante escritor baiano Jorge Amado o segundo melhor carnaval do Brasil depois do Rio. Superando inclusive, o próprio carnaval baiano.

No ano seguinte, elaborei para Engenhoca um singular enredo. “Olavo Bilac e Amélia de Oliveira: Uma eterna história de amor no século XIX”. Neste enredo, trouxe para rua uma história que estava esquecida nas estantes da Biblioteca dos sindicatos dos jornalistas, através das páginas da crônica de Hélio Moreira. Por que Olavo Bilac morreu solteiro? A partir da leitura desta crônica, descobri que Bilac um dos maiores escritores parnasianos do Brasil, se apaixonou por Amélia de Oliveira. Poetiza da família dos Oliveiras e que morava na pacata Engenhoca do século XIX, onde eram realizados saraus culturais. Nestes saraus é que a paixão entre os dois artistas nasceu. Esta linda história de amor sem final feliz, já que os dois terminaram suas vidas se amando, mas separados. Foi contada com muita emoção e lirismo e com um espetacular samba enredo.

Professor Mariano sempre se preocupou com a identidade cultural de Niterói, como no enredo criado por ele em 2011 para a União da Engenhoca sobre Antônio Parreiras, um dos principais artistas da cidade.
foto: acervo Na Cadência da Bateria

No meu último ano como carnavalesco da Engenhoca escolhi como tema de enredo, o consagrado pintor niteroiense Antônio Parreiras. Reafirmando nosso compromisso com a identidade cultural da Cidade. Passeamos pela riquíssima obra de Parreiras e sua ligação até os dias atuais com a cidade, através do Museu Antônio Parreiras. 

Em 2015 estreei na querida Garra de Ouro do Largo da Batalha e lá fiz dois enredos que resgatavam o negro como protagonista da sua história e da memória do samba e das artes do nosso país.

“Um sambista em forma de aquarela” fazia uma singela homenagem ao sambista e pintor negro Heitor dos Prazeres. Este líder comunitário fundador de várias escolas de samba no início do século XX e pioneiro em levar a cultura negra para os salões da burguesia. Através das suas fabulosas pinturas e quadros.

Este ano a Garra de Ouro desfilou com um enredo que contava a história da Deixa Falar. Primeira escola de samba do Brasil que teve como um de seus fundadores Ismael Silva. Grande sambista compositor nascido em Jurujuba em Niterói. Este gênio da cultura negra junto com outros bambas do Estácio fez uma revolução pedagógica no país. Quando criaram uma escola musical e livre, onde se praticaria a educação, a arte e a cultura da raça negra. Discriminada pelo Estado Republicano.

Nessa breve passagem como carnavalesco do carnaval de Niterói, percebi como foi difícil implementar uma forma de enredo que exigisse das escolas, trabalho artístico, criatividade, ousadia e perseverança. Sempre foi mais fácil. Improvisar, cortar as ideias originais, clonar trabalhos já existentes. Ou seja, levar o que se pôde arrumar para avenida.

Essa mentalidade que perdura em quase todas as escolas de Niterói é que vem, em minha opinião deixando o carnaval de Niterói numa situação de marasmo intelectual e artístico. As pessoas tem que entender, que fazer escola de samba requer conhecimento e esforços que são importantes para que um desfile ocorra. Dentre eles, manter um padrão de estética que contemple e conte o enredo criado pelo carnavalesco. A improvisação é válida, quando não fere a concepção artística do carnavalesco. Já o corte de uma ideia contida no enredo é assassinar a criação.

O que estamos assistindo hoje nos desfiles das escolas do carnaval de Niterói, são desfiles que não empolgam a plateia e nem a crítica como manifestação artística e obra de arte. E por que isso acontece?

Em minha opinião, tal fenômeno acontece devido à forma equivocada, que muitos dirigentes de escola de samba administram suas agremiações. Não se tem uma preocupação com o desempenho artístico da escola. O que se discute o tempo todo, é racionalizar gastos e esperar a verba do prefeito. Fazer escola de samba é muito mais do que isso. É acima de tudo, socializar a escola com sua comunidade. Faze- lá ter uma identidade com seu componente e folião, para que juntos possam fazer a fantasia carnavalesca se torna realidade. Se a verba retardou, se faça um mutirão ou livro ouro, para que recursos apareçam. Criam-se alternativas criativas de materiais. Ou seja, faça alguma coisa para que a arte não seja sacrificada pelo pragmatismo econômico.

Outro fator que dificulta a evolução artística do nosso carnaval é certa glamorização que os dirigentes e sambistas de Niterói fazem as duas grandes escolas de Niterói que desfilam no Rio de Janeiro. Cubango e Viradouro. As pessoas que militam no carnaval da cidade tem que estar preocupadas em primeiro lugar com seu pavilhão, com sua comunidade, em fazer o melhor para que sua escola se torne grande e faça o carnaval da cidade ser grande. Viradouro e Cubango têm comunidades, foliões e torcedores suficientes para andar, se bancar e se defender sozinha no carnaval carioca. Não precisa de verba e nem mão de obra do nosso carnaval.

Para encerrar quero lhe dizer que as críticas que faço neste texto, são de alguém que militou na escola de samba não para aparecer, mas sim para melhorar o padrão estético e intelectual do carnaval de Niterói. Não estou preocupado com quem deve dirigir o carnaval da cidade. Se for Neltur, vereador, prefeito ou diabo a quatro, o que me interessa é que o carnaval como festa e manifestação cultural continue na mão, daqueles que o criaram e o amam de verdade. O sambista e o povo.
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PROFESSOR MARIANO

Historiador e pesquisador do carnaval, um dos fundadores do projeto Cadência da Bateria. 



Em suas colunas aborda o carnaval considerando os aspectos políticos e sociais e a importância dos desfiles para a construção da memória da cultura popular.
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2 comentários:

  1. Professor Mariano,

    Parabéns por sua colocação.
    Acho super válida essa revitalização do samba na cidade niteroiense... acho sua preocupação justa e real. Também não me importa quem deve dirigir o carnaval da cidade. Não acho justo nenhuma manobra que venha beneficiar um ou outro. Não gosto de ver promoção política misturada na festa. Defendo enredos como os da Sabiá 2016, que falou sobre Luiz Antonio Pimentel, que infelizmente faleceu antes da homenagem na "avenida". Independente de resultado (não vim aqui falar disso e eu nem ousaria)... achei super válido o tema abordado.
    Que as escolas da cidade não fiquem presas apenas aos fatos ocorridos na cidade e nomes de personalidades que nasceram, morreram ou estão na cidade... mas que mudem sua postura de fazer enredos que facilitam a utilização de recursos já PRONTOS, enviados ou comprados de outras escolas. O carnaval é legal quando se cria... não quando se utiliza desses materiais para ganhar visualização e tirar proveito disso.

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  2. Caro Mariano....
    Participamos juntos dos carnavais do Garra de Ouro, mas não entendi seu posicionamento quando diz "Sempre foi mais fácil. Improvisar, cortar as ideias originais, clonar trabalhos já existentes. Ou seja, levar o que se pôde arrumar para avenida".
    Em que pese minha admiração e reconhecimento pelo seu trabalho, chego a uma triste conclusão: Não entendi o enredo do SEU samba.
    Forte abraço,

    ResponderExcluir

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