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segunda-feira, 19 de março de 2018

Marielle. O povo do samba também a reverencia!

A Cadência da Bateria não poderia deixar de prestar sua homenagem a esta mulher guerreira, combativa e corajosa. A história de luta de Marielle, se identifica com a memória do samba e de suas escolas, maior produção cultural deixada pelos afrodescendentes.

"Se alguém quer matar-me de amor que me mate no Estácio"

por Professor Mariano e André Gustavo

Os versos de "Estácio, Holly Estácio" do saudoso Luiz Melodia nunca foi tão emblemático para ilustrar uma reflexão pelo viés do samba e da luta do povo preto, sobre o fato que chocou e mobilizou a sociedade brasileira nesta semana. 

O covarde assassinato da líder das mulheres negras da favela da Maré e vereadora do PSOL, Marielle Franco.

No Estácio, há 90 anos, o inesquecível Ismael Silva olhando para o prédio onde funcionava a escola normal na esquina da Rua Joaquim Palhares (mesma rua onde Marielle foi assassinada) com a Rua Machado Coelho, o sambista teve a inspiração de criar a primeira escola de samba do Brasil a Deixa Falar. "Se lá se ensinava as ciências, aqui a gente vai ensinar o samba batucado", dizia Ismael. Este samba batucado nasceu no bairro do Estácio e foi criado pelos trabalhadores, na grande maioria formada por negros e malandros desempregados pela recém República liberal positivista.

Não podia haver um lugar tão simbólico para trágico assassinato de uma mulher negra, lutadora e trabalhadora que incomodava o sistema, como o samba batuque no início do século XX, do que o Bairro do Estácio. Nos primórdios da origem do samba batucado o bairro do Estácio era povoado por gente humilde remanescente do Centro da cidade da expulsão pelo bota abaixo do Prefeito Pereira Passos em 1903.

Em uma entrevista ao pesquisador Muniz Sodré no livro "Samba, o dono do corpo", o extraordinário Ernesto dos Santos, o famoso Donga fala que no seu tempo, o sambista era perseguido pelos delegados que compravam as patentes da Guarda Nacional e cercavam as casas dos sambistas para confiscarem seus instrumentos musicais.

A utopia, o amor, a solidariedade e as lágrimas dos marginalizados de pele escura foram os sentimentos que moveram a vida de Marielle Franco uma linda mulher negra como Tia Ciata, Luíza Mahin, Tereza de Benguela, Maria Mineira Naê, Dona Ivone Lara, Clara Nunes e outras tantas que como Marielle lutaram pela cultura negra, sua religião e contra o machismo. Isto porque suas biografias ajudam mostrar para os ignorantes que a mulher negra foi importantíssima na construção da memória de luta do negro por justiça social.

Os algozes de Marielle ao assassinarem na Rua Joaquim Palhares berço de origem da Escola de samba deram quatro tiros também na memoria afetiva dos sambistas. No seu monumental livro "Samba de Sambar do Estácio", o saudoso Humberto Franceschi diz que nas rodas que se formavam no Largo do Estácio e nos cafés à sua volta foram criados sambas com identidade dos sambistas do bairro do Estácio, e que estes sambas feitos por esses compositores (Ismael Silva, Rubem Edgar, Brancura, Bide, Nilton Bastos, Getúlio Marinho e o pintor sambista Heitor dos Prazeres), se tornaram a raiz do que chamam de música popular brasileira a nossa MPB.

Fazemos essa reflexão histórica para questionar o silêncio quase que sepulcro do mundo do samba em relação ao assassinato de uma mulher negra que lutava pelos direitos civis, sociais e políticos dos favelados, principalmente da Maré, favela onde ela nasceu. Este brutal acontecimento mexeu com os sentimentos de grande parte do Brasil mas não rendeu homenagem do mundo do samba, a esta guerreira negra que como suas ancestrais africanas escravizadas foi abatida pelos capitães do mato neo modernos por gritar e exigir ser livre.

Nós perguntamos: onde estão aqueles que fizeram o crítico e valoroso carnaval da querida Paraíso do Tuiuti de 2018? Carnaval este, que fazia a seguinte pergunta: Está extinta a escravidão nos dias de hoje? Onde está a galera que tanto exaltou o desfile da Tuiuti? 

(foto: Carnaval Rio 2018 – Desfile na Sapucaí – Paraíso do Tuiuti – Grupo Especial – Gabriel Nascimento | Riotur)

O tema tem tudo a ver com o lamentável assassinato de Marielle. Pois ela pagou com a vida, por ter gritado contra as injustiças impostas aos pobres das favelas do Rio de Janeiro. Enfim, por ter ousado lutar contra a escravidão moderna.

Cadê a diretoria, compositores do samba ou pelo menos o carnavalesco da Tuiuti, artista que pensou e desenvolveu o enredo, para nesta hora se solidarizar com a família e com os milhares de admiradores da luta de Marielle? Tristes e desolados com sua perda. Será que aquele desfilaço, o maior promovido por esta antiga escola de samba do nosso carnaval foi apenas uma ilusão? Espetáculo para gringo ver e enredo para agradar aos jurados? Pura hipocrisia?

Mas nós da Cadência da Bateria que sabemos da importância histórica da mulher negra no samba e no combate ao racismo. Solidarizamos com a dor da família de Marielle e com seus milhares de eleitores e admiradores espalhados pelo Brasil e mundo.

A morte de Marielle no Estácio, morada e berço do samba batuque, maior produção cultural deixada pelos afrodescendentes na cultura brasileira. Obriga-nos ter o compromisso moral e ético de preservar e defender a memória e luta da companheira. Marielle eternamente presente no mundo do samba!
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